data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Renan Mattos (Diário)
Confeitaria Copacabana reúne tradição, história e modernidade em um único lugar
Com o barulho dos trens que chegavam com as novidades das grandes cidades, Santa Maria acordava para mais um dia do ano de 1921. Cavalheiros e moças circulavam para cumprir suas obrigações pelo entorno da Rua do Comércio onde, três anos depois, se tornaria a Rua Doutor Bozano, que era, junto à Rua do Acampamento, o mais importante ponto para a economia.
Só que aquele 21 de abril - há exatos 100 anos - ficou marcado. Em um dos prédios da rua (calçada há pouco tempo com pedras irregulares), um cheiro de massa sendo assada no forno à lenha despertou a curiosidade da sociedade da época. Homens, mulheres, crianças e idosos, que passavam a pé, de carroça ou até mesmo de carro - privilégio somente para a alta classe da época - ficaram extasiados com o aroma. A essência da massa folhada e da panelinha de coco ficaria marcada na memória afetiva e no paladar de gerações de santa-marienses e de pessoas de outras partes do país que visitavam a região. Neste dia, nascia a Confeitaria Segalla, hoje conhecida como Confeitaria Copacabana.
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Dentro do edifício que, até então, era uma loja que vendia biscoitos e variedades, o jovem Luis Casali Segalla estava apreensivo testando a farinha, os ovos e uma pitada de sal para acertar a massa. O recheio com creme confeiteiro estava à espera para ser usado de cobertura. Em um papel velho rabiscado com um lápis, anotou a receita do que seria conhecida como massa folhada rosa. Então guardou a pequena folha com as indicações em um cofre. Desde então, a chave é passada de geração para geração da família Segalla, que mantém em segredo absoluto a receita do doce que marcaria o paladar dos santa-marienses.
data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Arquivo pessoal
Uma das fotos mais antigas da confeitaria é guardada como recordação pela família Segalla
De boca em boca, a notícia das delícias se espalhava pelo Coração do Rio Grande. No começo, Luis embalava cada encomenda e levava pessoalmente até a residência de seus clientes. O número de pedidos só aumentava após os consumidores atestarem a qualidade dos produtos. Sete anos depois, em 1928, era, enfim, inaugurado o prédio que acolheria a tradição que continua firme e forte.
Ao longo de décadas, a confeitaria acompanhou não só a transformação de Santa Maria e do mundo, mas também a história de moças e cavalheiros que lá tomaram um chá, um café ou uma Cyrillinha acompanhada de um delicioso doce ou salgado. A massa folhada foi aprovada de forma quase unanime, e, desde então, pais, mães e avós levam seus filhos e netos para conhecer a maravilha que, mesmo um século depois, ainda guarda a verdadeira essência das receitas que viraram um patrimônio cultural da gastronomia local.
O COMEÇO
A Confeitaria Segalla nasceu da ideia de Luis Casali Segalla (foto ao lado), filho biológico do imigrante italiano Michelangelo Casali, que veio para o Brasil em 1877. Devido às dificuldades para refazer a vida em Silveira Martins, na Quarta Colônia, Michelangelo deu a guarda de Luis ao casal Octavio Segalla e Celina Peres. Comerciante famoso na cidade pela Fabbrica di Biscotti 20 di Settembre, Octavio vendia biscoitos, bijuterias e vestuário feminino em uma loja também localizada, à época, na Rua Doutor Bozano.
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O despertar de Luis para a confeitaria veio de Octavio. Pai e filho tornaram-se sócios no dia 21 de abril de 1921, data escolhida pela família para celebrar o aniversário do empreendimento.
Mais de uma década depois, em 1932, Luis casou-se com Olinda Pascotto Segalla, com quem teve dois filhos: Ivan e Nelson. O primeiro formou-se em Odontologia, enquanto o segundo filho seguiu a carreira na Medicina. Ao longo dos anos, com a confeitaria cada vez mais consolidada, Luis foi se especializando. Ele recebeu diplomas e medalhas de mérito industrial em duas feiras estaduais, em 1932 e 1934. Para garantir ainda mais aprendizados, fez cursos em Montevidéu, no Uruguai, e em Buenos Aires, na Argentina.
O filho Ivan se casou com Neil Segalla, com quem teve três filhos: Luiz Ivan, Ricardo e Gilberto. Somente Luiz Ivan Segalla se interessou pela arte da confeitaria e, atualmente, é o proprietário do estabelecimento, ao lado de duas filhas, 100 anos depois da criação da empresa.
A MUDANÇA DE NOME
Em 1961, após um grave acidente automobilístico em Caxias do Sul, Luis Casali Segalla morreu em decorrência de uma embolia pulmonar. Com a morte do patriarca e fundador do negócio, a família optou, no ano seguinte, por alugar a confeitaria para o espanhol Jose Pena Caballero, que conseguiu manter e aperfeiçoar a qualidade dos produtos oferecidos.
O mestre confeiteiro trouxe para a cidade inovações que aprendeu em Valência, na Espanha, e Toronto, no Canadá. Seus doces mais famosos eram a rosca espanhola de gema de ovos e o rocambole valenciano de ovos moles. Foi Caballero que trocou o nome da confeitaria Segalla para Copacabana devido à sua paixão pela praia de mesmo nome, no Rio de Janeiro.
Luiz Ivan, que tem 61 anos, recorda do espanhol que arrendou o estabelecimento familiar na década de 1960.
- Meu avô não teve a oportunidade de me passar as receitas. Tudo que aprendi foi com Caballero. A história da Confeitaria Copacabana foi construída pelas mãos dedicadas de pessoas com integridade de caráter que transformaram as nossas vidas. Hoje, sou grato por tudo - garante Luiz.
A FAMÍLIA RETOMA A EMPRESA
Após concluir os estudos de Arquitetura pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em Porto Alegre, Luiz Ivan, neto do fundador, optou por retornar e aprender com Caballero as receitas tradicionais. Em 1989, o espanhol negociou a confeitaria com Luiz, e a família Segalla voltou a comandar o empreendimento.
A fama da confeitaria já estava consolidada em todo o Estado, e as novidades em doces finos, a massa folhada de creme e a empada de camarão já eram tão tradicionais quanto a própria existência da Confeitaria Copacabana.
CONTEXTO HISTÓRICO
De acordo com Luiz Gonzaga Binato de Almeida, que estuda a história de Santa Maria, antes de se tornar Rua Doutor Bozano, em 30 de dezembro de 1924, para homenagear o jovem prefeito de mesmo nome, morto em uma batalha no município de Ijuí, o endereço era chamado de Rua Pacífica e, em 1872, Rua do Comércio. Junto à Rua do Acampamento,
eram os locais mais povoados e promissores ao comércio.
- Essas ruas tinham vocação comercial pela posição, perto da praça, e pela importante característica topográfica de serem vias planas - explica o historiador.
O historiador conta que, na época, a região já era conhecida como Primeira Quadra, e registrava, diariamente, um intenso movimento de pessoas. A região era conhecida pelo "footing" das moças, como eram conhecidos os passeios pelas ruas e praças centrais. O clima levava às paqueras e - muitas delas - começavam em frente à confeitaria, que virou um ponto de encontro. Os flertes que davam certo, resultavam em um chá ou em um café lá dentro.
data-filename="retriever" style="width: 100%;">Foto: Arquivo pessoal
Nesse período, inúmeras transformações já marcavam a cidade. Uma delas foi a inauguração do primeiro projeto para o calçadão, em maio de 1979, depois denominado Calçadão Salvador Isaia. Importantes pontos comerciais nasceram instalados nas proximidades da Copacabana, como as Casas Pernambucanas, a Macedo Brinquedos e o Café Cristal, que ainda mantém suas atividades.